Em debate Folha/RedeTV!, presidenciáveis diminuem tom agressivo

DE SÃO PAULO
Dilma Rousseff (PT) e José Serra (PSDB) mudaram de estratégia e diminuíram o tom agressivo ontem no debateFolha/Rede TV, mas não escaparam de ter de responder sobre acusações contra ex-assessores.
Dilma deixou de lado a agressividade do debate anterior, na Rede Bandeirantes, e tentou colar em Serra o rótulo de “privatista”. Ela insistiu em comparar o governo Fernando Henrique Cardoso ao de Lula e em criticar a gestão tucana em São Paulo.

A princípio na defensiva pela necessidade de negar que vá privatizar empresas se eleito, Serra contra-atacou ao rotular Dilma de “antipaulista”, pelas reiteradas críticas ao governo do Estado. Ela acusou o golpe e por várias vezes disse que não tinha nada contra o “povo paulista”, mas contra gestões do PSDB.
Dilma e Serra foram questionados sobre corrupção apenas nas intervenções das jornalistas Renata Lo Prete, editora do*Painel*, e Patrícia Zorzan, da Rede TV!
O tucano negou ter relação com o ex-diretor da Dersa Paulo Vieira de Souza, o Paulo Preto. Disse desconhecer desvio na campanha e que, se tivesse havido, ele seria “vítima”: “Não tem nada a ver isso com negar mensalão, negar desvio na Casa Civil”.
Dilma foi questionada sobre tráfico de influência na Casa Civil, que derrubou Erenice Guerra. “A Erenice cometeu um erro. Eu sou contra contratação de parentes.”
O tema da descriminalização do aborto não foi debatido. Serra e Dilma também não falaram da quebra do sigilo fiscal de tucanos em agências da Receita Federal.
Já Serra concentrou ataques na área da segurança e tentou usar as perguntas sobre privatização para criticar o aparelhamento de estatais.
Dilma tentou surpreender o adversário com uma pergunta sobre a venda da empresa privada Gas Brasiliano.
A petista acusou o tucano, quando governador de São Paulo, de tentar impedir que a Petrobras comprasse a empresa, dando preferência a uma concorrente japonesa: “Prefere-se uma empresa japonesa, privada, e falam que gostam da Petrobras”.
“A candidata na TV mente o tempo inteiro sobre a Petrobras”, rebateu Serra.
No segundo bloco, Dilma insistiu no tema, sugerindo que Serra poderia privatizar o pré-sal. O tucano devolveu citando “loteamento político” de estatais e sugeriu que Fernando Collor (PTB) ficaria com a BR Distribuidora em eventual governo dela.
O tucano também defen deu a privatização da Telebrás. “Hoje, um mecânico, um marceneiro, podem receber telefonema enquanto estão trabalhando”, disse.
Serra rotulou a adversária como antipaulista. “Dá a impressão que a Dilma é candidata ao governo de São Paulo”. Dilma rebateu: “O senhor fica um pouco pretensioso. Não pode se comparar com o povo de São Paulo”.
O tucano disse que drogas chegam ao país porque o policiamento de fronteiras é ineficaz. Ela respondeu citando projeto da PF de usar aviões não tripulados e citou a cracolândia de SP: “Tenho um compromisso que é livrar São Paulo do PCC”, disse.
No final, Dilma citou Lula e disse que “a esperança vai vencer o ódio”, e Serra lembrou sua biografia.

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Sociólogo afirma que ‘Lula é mais privatista que FHC’

Para Francisco de Oliveira, um dos fundadores do PT, é “ilusão de ótica” achar que o presidente é estatizante
Professor emérito de sociologia da USP diz que atual segundo turno obriga eleitor a escolher entre o “ruim e o pior”
Uirá Machado
No começo de 2003, ano em que rompeu com o PT, o sociólogo Francisco de Oliveira, 76, afirmou que “Lula nunca foi de esquerda”.
Agora, o professor emérito da USP dá um passo adiante e diz que Lula, mais que Fernando Henrique Cardoso, é “privatista numa escala que o Brasil nunca conheceu”.
Na entrevista abaixo, Oliveira, um dos fundadores do PT, também afirma que tanto faz votar em Dilma Rousseff (PT) ou José Serra (PSDB).
Folha – Qual a sua avaliação sobre o debate eleitoral no primeiro turno? 
Fora o horror que os tucanos têm pelos pobres, Serra e Dilma não têm posições radicalmente distintas: ambos são desenvolvimentistas, querem a industrialização…

O campo de conflito entre eles é realmente pequeno. Mas, por outro lado, isso significa que há problemas cruciais que nenhum dos dois está querendo abordar.
Que tipo de problema? 
Não se trata mais de provar que a economia brasileira é viável. Isso já foi superado. O problema principal é a distribuição de renda, para valer, não por meio de paliativos como o Bolsa Família. Isso não foi abordado por nenhum dos dois.

A política está no Brasil num lugar onde ela não comove ninguém. Há um consenso muito raso e aparentemente sem discordâncias.
Dá a impressão que tanto faz votar em uma ou no outro… 
É verdade. É escolher entre o ruim e o pior.

Qual a sua opinião sobre a movimentação de igrejas pregando um voto anti-Dilma por causa de suas posições sobre o aborto? 
É um péssimo sinal, uma regressão. A sociedade brasileira necessita urgentemente de reformas, e a política está indo no sentido oposto, armando um falso consenso.

O aborto é uma questão séria de saúde pública. Não adianta recuar para atender evangélicos e setores da Igreja Católica. Isso não salva as mulheres das questões que o aborto coloca.
O sr. foi um dos primeiros a romper com o PT, em 2003, e saiu fazendo duras críticas ao presidente. Lula, porém, termina o mandato extremamente popular. Na sua opinião, que lugar o governo Lula vai ocupar na história? 
A meu ver, no futuro, a gente lerá assim: Getúlio Vargas é o criador do moderno Estado brasileiro, sob todos os aspectos. Ele arma o Estado de todas as instituições capazes de criar um sistema econômico. E começa um processo de industrialização vigoroso. Lula não é comparável a Getúlio.

Juscelino Kubitschek é o que chuta a industrialização para a frente, mas ele não era um estadista no sentido de criar instituições.
A ditadura militar é fortemente industrialista, prossegue num caminho já aberto e usa o poder do Estado com uma desfaçatez que ninguém tinha usado. Depois vem um período de forte indefinição e inflação fora de controle.
O ciclo neoliberal é Fernando Henrique Cardoso e Lula. Só que Lula está levando o Brasil para um capitalismo que não tem volta. Todo mundo acha que ele é estatizante, mas é o contrário.
Como assim? 
Lula é mais privatista que FHC. As grandes tendências vão se armando e ele usa o Estado para confirmá-las, não para negá-las. Nessa história futura, Lula será o grande confirmador do sistema.

Ele não é nada opositor ou estatizante. Isso é uma ilusão de ótica. Ao contrário, ele é privatista numa escala que o Brasil nunca conheceu.
Essa onda de fusões, concentrações e aquisições que o BNDES está patrocinando tem claro sentido privatista. Para o país, para a sociedade, para o cidadão, que bem faz que o Brasil tenha a maior empresa de carnes do mundo, por exemplo?
Em termos de estratégia de desenvolvimento, divisão de renda e melhoria de bem-estar da população, isso não quer dizer nada.
Em 2004, o sr. atribuiu a Lula a derrota de Marta na prefeitura. Como o sr. vê como cabo eleitoral de Dilma? 
Ele acaba sendo um elemento negativo, mesmo com sua alta popularidade. O segundo turno foi um aviso. Essa ostensividade, essa chalaça, isso irrita profundamente a classe média.

É a coisa de desmoralizar o adversário, de rebaixar o debate. Lula sempre fez isso.

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