Jornal impresso acaba em 5 anos – Por Ethevaldo Siqueira

Deu nominuto.com

O tema é polêmico, mas é extremamente necessário que seja encarado por todos que trabalham com a comunicação social. Eu disponibilizo neste espaço o texto do jornalista Ethevaldo Siqueira, da CBN, de Época e ex-colaborador do Estadão, especialista em Tecnologia da Informação e Comunicação.

Jornal impresso acaba em 5 anos   

Por Ethevaldo Siqueira *

O jornal impresso não tem mais do que cinco anos de vida. O modelo econômico e industrial em que ele se apoia está desmoronando sob o impacto simultâneo de quatro forças tecnológicas muito conhecidas do mundo econômico e empresarial: internet, mobilidade, computação em nuvem e redes sociais. É possível, porém, que outros tipos de publicações impressas sobrevivam por mais tempo, como veículos de análise, tendências e debates, no formato de jornais ou revistas.

Para as empresas jornalísticas, o maior desafio desse período de transição é viabilizar economicamente a passagem do jornal físico para o jornal virtual. A primeira impressão é de que cruzar esse abismo sem sucumbir é quase um milagre. Sou mais otimista. O que me parece absolutamente claro é que a migração analógico-digital não poderá ser realizada, de modo nenhum, com a degradação da qualidade que hoje ameaça a maioria das redações de jornais.

Expliquemos melhor: jornais medíocres morrerão mais cedo do que se espera. A causa mortis das maiores corporações jornalísticas não se origina apenas da falta de novo modelo de negócios, mas, principalmente, do retrocesso nos padrões de qualidade da imprensa tradicional.

É claro que a morte do jornal impresso não significa o fim do jornalismo. Ao contrário. Como atividade cultural, política, econômica e industrial o jornalismo nunca morrerá. Acho até que poderá revigorar-se e ganhar novos horizontes. Para tanto é essencial que as corporações que vão conduzi-lo cheguem vivas do outro lado do abismo, onde se encontra o novo mundo digital.

O que inviabiliza o velho jornal

A maior ameaça à sobrevivência do velho jornal é, sem dúvida, a mudança de paradigmas tecnológicos e econômicos. É ela que condena ao desaparecimento, de forma inapelável, a imprensa tradicional que tanto amamos, mas que se mostra tão lenta e incapaz de reinventar-se.

Por seus custos industriais e logísticos – como os da matéria prima, impressão e distribuição –, não pode, nem de longe, competir com a rapidez, a disponibilidade instantânea e a quase gratuidade da informação virtual.

O jornal impresso em papel é, portanto, um modelo superado, obsoleto e inviável diante jornalismo eletrônico, cada dia mais ágil, mais barato e abrangente. Os jornais do futuro serão, também, exemplos perfeitos e acabados de ubiquidade, pois poderão ser acessados a qualquer hora, em qualquer lugar. Ou, para usar o jargão internacional,anytime, anywhere.

As quatro alavancas tecnológicas mencionadas na abertura deste artigo – internet, mobilidade, nuvem e redes sociais – que hoje atuam, simultaneamente, sobre as empresas jornalísticas tradicionais inviabilizam seu velho modelo industrial e de negócios. Vejamos de que forma cada uma dessas alavancas impacta o jornalismo tradicional e suas corporações.

A internet tornou-se, em pouco mais de duas décadas, uma rede global cada dia mais densa e capilar, alcançando mais de 2 bilhões de seres humanos. No Brasil, eram apenas 1 milhão de internautas em 1994. Hoje, são mais de 100 milhões, dos quais 80 milhões em banda larga. Mesmo com todas as deficiências e elevado preço dessa banda larga, esse alcance da internet significa um salto gigantesco, ocorrido após a privatização das telecomunicações em 1998.

A mobilidade é outra revolução em curso. Reflitamos um momento sobre seu impacto. Nos últimos 20 anos, o mundo tem vivido a explosão da comunicação móvel, que hoje alcança o total quase inimaginável de 6,4 bilhões de celulares em serviço, o que corresponde a uma densidade de mais de 90% da população do planeta. E o Brasil? Com 265 milhões de telefones móveis, ou 134 acessos por 100 habitantes, este País detém o quinto mercado de telecomunicações sem fio do mundo, atrás apenas da China, Índia, Estados Unidos e Rússia.

E as redes móveis estão em rápida ascensão. Em 2015 – ou seja, nos próximos três anos – cerca de 25% do número total de celulares do Brasil e do mundo serão smartphones. Além deles, haverá centenas de milhões de tablets ou notebooks com capacidade de comunicação em banda larga, aptos a receber o conteúdo de filmes, jornais e revistas, além de jogos, aplicativos de mil tipos nas áreas de comércio eletrônico e móbile banking, entre outros recursos.

Com o alcance planetário da internet, a informação virtual torna-se ubíqua, a custos próximos de zero para o leitor ou internauta. Como dissemos, essa rede mundial tem hoje quase 3 bilhões de usuários. Em dez anos, pode quebrar a barreira dos 6 bilhões, o que significará uma densidade próxima de 80% da população da Terra.

E a computação em nuvem? Pouca gente pensa hoje no impacto da nuvem. Em 2017, a maioria dos jornais e revistas virtuais estará na nuvem. Onde estivermos, baixaremos o conteúdo desses veículos em nossos tablets, notebooks ou smartphones.

A nuvem é, na verdade, muito mais do que um sistema de armazenamento de capacidade ilimitada. Só o Google já guarda mais de 800 trilhões de páginas em milhares de datacenters em todo o mundo. Melhor seria compararmos a nuvem a um imenso computador virtual à nossa disposição, como sugere o canadense Don Tapscott.

E as redes sociais? Mesmo sabendo que o Facebook já alcança mais de 1 bilhão de usuários, ainda há quem duvide do poder dessas redes. O fato essencial é que elas multiplicam por mil a capacidade de interação das pessoas. Tenho mais de 5 mil amigos que interagem comigo no Facebook quase todos os dias. Mais de 80% das empresas do mundo desenvolvido já utilizam intensamente essas redes – Facebook, Twitter, LinkedIn, Flickr, Orkut, MySpace, Twitter, Badoo e outras.

O essencial nesse processo é pensarmos na ação simultânea e no poder de transformação dessas quatro forças tecnológicas.

A notícia-tartaruga

Confesso, meus amigos, que atualmente só assino jornais impressos por puro saudosismo. Ou sentimentalismo profissional. Querem o exemplo mais recente da impossibilidade de competição entre o jornal impresso e o digital? Às 7 horas da manhã desta quarta-feira, dia 7 de novembro de 2012, no momento em que eu escrevia este artigo, nenhum grande jornal brasileiro havia dado a notícia mais relevante do dia: a reeleição de Barack Obama como presidente dos Estados Unidos, notícia, aliás, que milhões de pessoas já haviam lido quatro horas antes na internet.

Nessa passagem crucial do mundo analógico para o digital, o velho jornal parece um avião que perde altura em meio à maior turbulência e corre o risco de espatifar-se contra uma montanha em lugar de pousar suavemente. Esse desastre pode até acontecer, diante da conjuntura de fatores adversos que inclui desconhecimento da rota, baixa visibilidade, falha de instrumentos, panes sucessivas e o maior de todos: o despreparo do piloto.

Como chegar lá?

Mais do que nunca, nestes tempos de profundas mudanças tecnológicas e de outros paradigmas, a sobrevivência da empresa jornalística está profundamente ligada à qualidade de seus veículos. Muito mais do que no passado, a vitalidade e a sobrevivência do jornal decorre da credibilidade de seu noticiário e de seus editoriais. São essas características que podem assegurar uma transição relativamente segura do jornal impresso para o digital.

É claro que, além da qualidade do jornal, o sucesso das empresas jornalísticas nessa transição depende de novas estratégias econômicas e de mercado, como a diversificação dos meios (crossmedia), em busca não apenas de novo modelo de negócios, mas de novos produtos e serviços de informação, com a maior credibilidade e a confiabilidade. Embora pareça muito difícil, essa passagem é viável.

E é bom lembrar que jornal impresso em papel é apenas um formato. Não é esse material que caracteriza a essência do jornalismo. Como veículo noticioso e informativo, o jornal não precisa ser de papel de celulose, papel eletrônico ou qualquer outro material. Pode ser intangível e virtual.

Os maiores jornais do mundo já chegaram à conclusão inelutável de que o velho jornal impresso não terá condições de sobrevivência até o fim desta década. Mais de 2 milhões de pessoas leem exclusivamente a versão digital doNew York Timesem todo o mundo. A grande luta desse grande jornal é a busca de um modelo de negócios que viabilize sua economia no mundo digital.

O pior caminho para todos os jornais que lutam por sobreviver como empresas é aceitar a queda de qualidade como consequência supostamente inevitável da redução de custos operacionais. É essa política que leva à mortalidade precoce das maiores empresas jornalísticas e nos impõe uma solução terrível: a ascensão de empresas virtuais gigantescas – como o Google –, sem tradição ética nem compromisso com os valores consagrados pelo jornalismo. Outro risco é amurdochizaçãoda imprensa em todo o mundo. É claro que me refiro ao magnata Rupert Murdoch. E saibam que ele já ronda o mercado brasileiro.

O maior perigo que ameaça as grandes empresas jornalísticas no Brasil é morrer na praia e não viabilizar a sobrevivência, não desembarcar no novo mundo do jornalismo eletrônico, virtual, global, local, ubíquo, instantâneo, online.

Já disse e repito aqui que o maior prejuízo para o Brasil e para o mundo civilizado é a falência das corporações responsáveis pelos jornais que ainda circulam. Essa falência significa, acima de tudo, a dispersão das melhores equipes profissionais, a perda da maioria de seus talentos e a desestruturação de um setor.

Vamos debater mais esse tema?

* Ethevaldo Siqueira é jornalista, escreve em Época e comenta na CBN.

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