Votação da PEC dos vereadores fica para depois – Suplentes exigem mudança na Constituição para assumirem câmaras municipais, mas congressistas adiam decisão. Proposta só chegará ao plenário no fim de setembro, avalia Flávio Dino.
– Michel Temer prevê problemas na Justiça
– Vereadores lotam galerias da Câmara para pressionar deputados a votarem PEC, mas vão ter de aguardar mais
Por Fábio Góis
A pressão dos suplentes de vereador para a aprovação do aumento de vagas nas câmaras municipais surte pouco efeito no Congresso. Parlamentares se revezam no microfone para pedir a votação da PEC (Proposta de Emenda à Constituição) nº 47/08, mas a decisão foi mais uma vez adiada.
As galerias da Câmara foram ocupadas por suplentes esperançosos de que o plenário votasse o assunto esta semana. Uma reunião de líderes realizada ontem (2), no entanto, adiou a decisão para a próxima quarta-feira (9). A tendência é que seja mais uma vez jogada pra frente, talvez para o final do mês, segundo alguns deputados envolvidos nas negociações.
A campanha dos suplentes começou há oito meses e já teve até greve de fome (leia aqui e aqui). O presidente da Câmara, Michel Temer (PMDB-SP), é contra a PEC dos vereadores. Avalia que a matéria vai provocar “problemas judiciais de maior monta” se for aprovada, segundo afirmou ontem (2) em entrevista.
A mais recente aprovação da PEC 47/08 (também chamada “PEC Paralela dos Vereadores”, uma vez que foi extraída de outra) ocorreu no plenário do Senado, em dois turnos, em 17 de junho deste ano (leia). A proposta define o limite de gastos para as câmaras municipais, para atender ao aumento das vagas de vereador previsto na PEC originária. Traduzindo em percentuais, sem dependência de fatores econômicos, a PEC estabelece, em suma, limites máximos de gastos entre 2% e 7% (o texto aprovado na Câmara fixava esse limite em 2% E 4,5% – leia aqui e aqui). Atualmente, o percentual varia entre 2% e 8%.
Também ficam estabelecidas faixas percentuais de despesas para as câmaras municipais, observando-se a população do município e tendo como base a arrecadação total no ano anterior: 7% para municípios com população de até 100 mil habitantes; 6% para 101 mil até 300 mil habitantes; 5% para 301 mil até 500 mil habitantes; 4% para 501 mil até 2 milhões de habitantes; 3% para 2,001 milhões até 8 milhões de habitantes; 2% para cidades com mais de 8 milhões de habitantes.
A PEC 20/08, em linhas gerais, amplia de 51.748 para 59.791 o número desses cargos no país (diferença de 7.343 – ou 14,1% de ampliação de vagas). A proposta também altera a proporcionalidade de vereadores em relação à quantidade de habitantes em cada município. Assim, os menores municípios (até 15 mil habitantes) teriam nove e os maiores (até 8 milhões), 55 vereadores.
O líder do PSDB na Câmara, José Aníbal (SP), reafirmou ser contra o aumento de vagas. “Nós não podemos eleger sete mil vereadores no plenário da Câmara”, disse o tucano à reportagem, rodeado de suplentes de vereador obviamente interessados na aprovação da matéria.
“Nem o Tribunal Superior Eleitoral vai permitir que esses suplentes tomem posse. Porque, se eles tomarem posse, vai ter vereador na titularidade que vai ter de sair, vai ter que fazer novas eleições.
Deve-se parar um pouco e pensar nas consequências práticas, fora o ôba-ôba. Eu entendo a expectativa do cidadão que é primeiro suplente e quer assumir, legitimamente, mas não vai dar certo, mesmo que a Câmara aprove”.
“O presidente da Câmara, Michel Temer, que é jurista e conhece bem o Tribunal Superior Eleitoral, me disse o seguinte: não haverá posse de nenhum vereador. Todas poderão ser questionadas, por quem quer seja, e vão significar – e, por isso, o TSE não vai permitir – mudança na composição das câmaras, inclusive com perda de mandato por alguns vereadores.”
“O governo não está [interessado] nesta PEC, não. Quem está nessa PEC são alguns partidos políticos que acham que é legítimo e tal. Eu acho que não compete à Câmara eleger sete mil vereadores”, concluiu.
A posição do tucano não é compartilhada pelo deputado Pompeo de Matos (PDT-RS), autor do primeiro projeto de reposição de vagas de vereador, em 2004. “Há uma incompreensão da Câmara. Esse é um tema que eu venho tratando aqui desde 1999, e a Câmara empurra com a barriga. Tanto que o Supremo [Tribunal Federal] interferiu, e acabou fazendo os desarranjos na representação das câmaras municipais. O que estamos querendo fazer é corrigir essas distorções”, disse Pompeo, para quem ainda neste mês a matéria entrará em pauta. “Demorou, mas estamos na reta final. Eu queria que fosse hoje [quarta, 2]. Queremos a posse dos novos vereadores, no máximo, em janeiro do ano que vem.”
Um dos principais conhecedores do assunto na Câmara, o deputado Mário Heringer (PDT-MG) também defende a aprovação da PEC e a recomposição das câmaras municipais. “Quem está nos gabinetes não detecta isso, mas é imprescindível a presença dos vereadores nos municípios. Eles não fazem uma ação só de legisladores e fiscalizadores: eles são agentes públicos que fazem a intermediação do pobre com o poder”, disse o deputado.
“São esses caras que botam [mães carentes] no seu carro e levam para a maternidade. Não é essa a função? Mas quem fará? Na vacância do poder público, eles são os representantes legítimos. Esses caras fazem mais coisas no Brasil do que pode se criticar no momento”, arrematou o deputado, para quem não haverá ônus para os cofres públicos. Segundo Heringer, não há disputa política em torno da PEC, mas há uso político da proposição como moeda de negócio. “O pré-sal hoje é a disputa política. E, para fazer pressão sobre a condição do pré-sal, faz pressão em cima de uma PEC que já está consagrada e discutida há mais de oito anos.”
O deputado mineiro diz não estar “nem um pouquinho preocupado” com a capacidade orçamentária em absorver eventuais gastos extras decorrentes do aumento de vagas. “O orçamento não pode subir. Se couber mais representantes dentro das câmaras, está bom. Nós impedimos o crescimento do orçamento, mas não o crescimento da representatividade, minha preocupação primeira”, conclui o deputado, acrescentando que não há mordomias em um universo de quase seis mil municípios. “Desses, 20 ou 30 são privilegiados. Cidade do interior não tem isso, não. Não tem gabinete, não tem carro, não se excede na mordomia. Em cidade do interior o que se pode fazer é redistribuir o trabalho.”
“Quanto mais pressão, melhor”
O parlamentar Flávio Dino (PCdoB-MA) também acredita que a PEC será aprovada ainda neste mês. Favorável à matéria, o deputado e ex-juiz federal maranhense diz que o Judiciário errou quando extinguiu 8.528 vagas de vereador em 2004.
“[A PEC] será aprovada, eu tenho essa convicção. A proposta é razoável, correta, repõe vagas que foram indevidamente suprimidas pelo poder Judiciário, e não tem impacto fiscal negativo. Pelo contrário, ela tem impacto positivo, na medida em que haverá redução dos gastos”, defendeu Dino, para quem a polêmica em torno do pré-sal “dificultou a construção de consenso”, com a obstrução dos trabalhos em plenário. “Coisa que é legítima no Parlamento.”
Dino diz que a aprovação da matéria é questão de tempo, mas prefere não arriscar uma data em que isso ocorrerá. Enquanto não há definição, afirma o deputado, a pressão dos suplentes é válida. “Sempre tive na minha cabeça até o final de setembro, ainda temos aí várias semanas. A pressão é inerente ao Parlamento, quanto mais pressão, melhor. Eu adoro isso aqui cheio, quanto mais gente reclamando, pedindo. Acho que isso é bom porque é a vitalidade do Congresso, e os suplentes estão corretos de vir aqui e cobrar de seus parlamentares. É assim que as coisas se resolvem”, conclui o parlamentar, para quem “a imensa maioria” dos deputados apoiará a proposta.
Líder do DEM, o deputado Ronaldo Caiado (GO) disse à reportagem não conhecer a razão da demora para votar a matéria. “Não sei responder”, resumiu Caiado, sem querer se posicionar sobre a matéria ou antecipar como votará sua bancada. “Eu, como líder, encaminharei no dia da votação. Eu falo pela bancada, não falo como pessoa física. Mas ainda não foi feita a reunião.”
Já o líder do PT na Câmara, Cândido Vaccarezza (SP), é mais enfático em relação à matéria. “A bancada do PT vota pelo sim”, disse o deputado, recebendo aplausos dos vereadores que o cercavam à porta do plenário. O petista minimizou o impasse em torno da PEC. “A PEC está tramitando rapidamente. Nós íamos votar hoje, mas a Casa está sob obstrução. A praxe aqui é não votar PEC em obstrução, lembrando que as propostas de emenda à Constituição precisam de 308 – com a obstrução dos trabalhos de PSDB, DEM e PPS (cerca de 130 deputados), não há quorum suficiente para aprovação da proposta. “Aí a PEC fica já fadada à derrota, sem a discussão. Não é que tenha resistência. Não tem é número para votar a PEC.”
“Nós votamos, na semana passada, na comissão, e a imprensa disse que foi votado na calada da noite. Tem uma semana que nós votamos, tem PEC aqui que foi votada há mais tempo. Temos que esperar a oposição levantar a obstrução”, ponderou Vaccarezza.
Confiança
Um dos representantes informais da comissão interestadual de suplentes que lotavam as galerias superiores do plenário nesta quarta-feira, o suplente de vereador André Gomes (PMDB), do município de Miracema, Tocantins, demonstrou que, se a mobilização persiste, agora segue em tom mais moderado. As seguidas aprovações na Câmara e no Senado, acredita, sinalizam que a matéria será aprovada sem problemas, e é apenas questão de tempo.
“Há vários assuntos a serem abordados no Congresso Nacional, entre eles a PEC dos Vereadores”, disse André, que não vê enrolação do Congresso na aprovação da matéria. “Esse movimento é formado por políticos, e nós confiamos nos congressistas do país. A gente sabe que o Congresso Nacional trabalha através de acordo.”
Irmão do deputado Eduardo Gomes (PSDB-TO), André mencionou a reunião de líderes realizada na manhã de ontem (quarta, 2), em que ficou acordado que a votação iria a plenário na próxima quarta-feira, dia 9. “A gente confia na palavra do presidente, que irá pautar a matéria, e nos líderes dos demais partidos. Agora é esperar a aprovação. Que fique claro: nós confiamos nos líderes políticos.”
Para Joaquim Pereira, suplente de vereador em Correntina, Bahia, a PEC, além de recompor as câmaras municipais, vai obedecer ao caráter de proporcionalidade representativa. “O aumento da representatividade é muito importante, porque não há como concordar com uma cidade como Borá, em Minas Gerais, com 804 habitantes ter nove vereadores, e Correntina, na Bahia, ter 35 mil habitantes e os mesmos nove vereadores”, justificou Joaquim.
Já o suplente Fábio Persi, do PSC de Governador Valadares (MG), relativizou os oito meses de mobilização no Congresso. “O sentimento é de confiança, de otimismo. Apesar de toda esta demora, conseguimos aprovar esta PEC no Senado e deixá-la pronta para o plenário da Câmara em um tempo curtíssimo”, disse Fábio, para quem o a proposta promove um “resgate da representatividade nos municípios” e corrige a ação do Judiciário. “Foi um corte absurdo, com os mesmos repasses. A PEC vai corrigir toda esta situação.”